domingo, 16 de março de 2014

Como vencer o medo

O medo interrompe e em certos casos paralisa a atividade. Afoga a expressão; atrasa a vida, pois para o indivíduo acossado por muitas espécies de temores a vida passa a ser um contínuo retrocesso e não um progresso.



Todo indivíduo conhece o medo, de uma ou de outra forma. Quanto mais elevada é a sua mentalidade menor número de temores o assaltam. Pelo contrário, quanto menor a sua capacidade mental, maior o número de temores que o assaltam. Certos temores são passageiros, enquanto outros, embora frequentes, obedecem unicamente a certos fatores e não chegam a perturbar o indivíduo na sua atividade diária.

Os temores que realmente devem ser dominados são aqueles que por si encerram um problema e afetam seriamente a pessoa, impedindo-a de cumprir suas tarefas diárias.

O medo pode ter sua origem na falta de confiança ou na falta de capacidade. Outro fator que degenera em medo é a preocupação. As causas do medo podem ser classificadas; por situações que encerrem um perigo real, por objetos ou situações que criam na pessoa um medo que não se justifica, ou ainda por uma sensação de insegurança, algo vago e impreciso, medo de si mesmo. Este por ter como causa um excesso ou falta de carinho, carência de afeto. Se uma criança é demasiado mimada em casa e uma pessoa fora do seu círculo familiar a ameaça ou não lhe dá a atenção que está habituada, passa a sentir-se insegura frente a pessoas estranhas. Por outro lado, se sente falta de carinho por parte dos pais e familiares, passa a se sentir insegura e esse sentimento de insegurança gera o medo. Passa a ter medo do mundo e se sente permanentemente inseguro como se estivesse sempre em perigo real.

O termo medo deriva de uma palavra grega que significa "temor". Tais "fobias" podem ser aplicadas à maior parte dos objetos. O termo que define esse tipo de medo mórbido pode ser filologicamente obtido antepondo-se à palavra "fobia" o equivalente grego do objeto temido: p. ex. - claustrofobia, medo de lugares fechados ou aglomerados; astrofobia, medo de trovões e relâmpagos; agorafobia, medo dos espaços abertos; necrofobia, medo da morte; potamofobia, medo da água, etc.

O medo derivado de sensação de insegurança é o mais difícil de descobrir, pela facilidade com que se esconde. Um indivíduo que padece dessa insegurança é, quase sempre extremamente exigente, sensível, contraditório. Tem prazer em desorientar os que o rodeiam, ocultando assim o seu sentimento de insegurança.

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Por si mesmo, o medo é um mecanismo de fuga, equivalente à fuga de um perigo, ou pelo menos, à intenção de escapar. A pessoa que sofre de medo não compreende que está fugindo da realidade ou das obrigações que a sociedade impõe a todos. Recua frente à sociedade e se nega a fazer um esforço construtivo pelo simples fato de ter medo. Ao invés de encarar a realidade se dedica quase sempre à crítica, procurando assim o ocultar o sentimento de insegurança. Em lugar de enfrentar a realidade, conforma-se com a fantasia. Em lugar de firmar um prestígio, pretende encontrá-lo em lugares estranhos e ocultos. Foge dos homens e dos lugares e assume uma atitude negativa de tédio pela humanidade. Quanto maior é o número de temores, tanto menor é o desenvolvimento da mentalidade.

O medo é uma defesa que a natureza oferece ao homem em sua luta pela conservação. Desprovido do mecanismo do medo, o homem primitivo não teria possuído essa propriedade biológica especial que lhe permita escapar do perigo. O medo, como um estímulo físico adicional, cria uma corrente de força suplementar que facilita a fuga do indivíduo.

Cabe aqui uma reflexão: é certo que em muitas situações difíceis o homem tem que recorrer ao mecanismo do medo para salvaguardar-se. Se o medo que a natureza oferece ao homem como uma defesa lhe confere uma energia adicional para fazer frente a um perigo real ou latente em um momento de crise, então está justificado biologicamente. Pode ser experimentado sem que o indivíduo perca o respeito para consigo mesmo. Porém, se o resultado não é justificado, se não se trata de salvar a vida, desde que ela não se acha em perigo, isso representa, não uma ajuda, mas um obstáculo para uma vida mais agradável. Nesses casos, ele impede o desenvolvimento da inteligência, da eficiência e da atividade. Tal classe de medo limita a vida, pois só através de um ataque positivo aos seus problemas é que uma pessoa experimenta o prazer de viver. Viver é "ir atrás das coisas" e não "fugir delas".

Algumas pessoas justificam o medo dizendo que, tal como a dor, ele representa uma advertência. Outros dizem que o medo torna o homem prudente, evitando assim que ele cometa erros. Confunde medo com precaução. Essa representa realmente uma condição repousada e serena da mente, ao contrário do medo.

O medo interrompe e em certos casos paralisa a atividade. Afoga a expressão; atrasa a vida, pois para o indivíduo acossado por muitas espécies de temores a vida passa a ser um contínuo retrocesso e não um progresso. O medo não é natural, salvo possivelmente, algumas espécies necessárias para dar ao indivíduo uma maior energia física que lhe permita escapar de perigo real.

Pessoas e lugares que nos infundiram medo durante a nossa infância constituem uma fonte de medo. Uma pessoa que nos haja amedrontado quando contávamos três ou quatro anos de idade, será um objeto de medo por muitos anos e mesmo talvez durante a vida toda. Teremos medo do fogo se tivermos sofrido, em alguma época, graves queimaduras.

Outra fonte de medo é o chamado "reflexo condicionado". O medo criado espontaneamente por um ruído forte ou por falta de apoio real está relacionado com os estímulos musculares e auditivos. Todas as manifestações de medo produzidas por estímulos visuais são adquiridas. Também são adquiridas as produzidas pelo tato, pelo olfato e pelo gosto. Um exemplo: um cão acidentalmente atravessa um caminho percorrido por uma criança durante uma trovoada. A criança passa a ter medo de cães porque este se acha diretamente relacionado com a trovoada que lhe amedrontou.

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Outra coisa que se deve ter em conta com respeito ao reflexo condicionado é que a origem dos temores é logo esquecida. Poucas pessoas conseguem descobrir as causas do medo que lhe infundem certas coisas. No entanto, se as pessoas chegam a conhecer o mecanismo do reflexo condicionado, reconhecem igualmente que os seus temores foram adquiridos dessa forma. E assim podem mais facilmente combatê-los. O reflexo condicionado não depende simplesmente da memória. O objeto que causou nosso temor não nos faz recordar o fator principal do qual derivou. Sua origem permanece oculta no esquecimento total no subconsciente.

O contágio é a terceira fonte de medo. Uma criança passa a ter medo de gatos, unicamente porque outras crianças os temem. Mesmo uma simples referência a certas coisas que devem ser temidas, pode criar um medo delas. A relação das consequências temíveis que emanam de certos objetos, pode propagar o medo. Temores de toda espécie são inspirados por superstições. Uma orientação errada acerca do mundo e da sociedade produz igualmente medo. Muitas crianças são educadas sobre uma falsa base de que a vida é uma constante ameaça, que o mundo e a sociedade encerram toda uma classe de coisas más. Assim, tornam-se vítimas do medo.

Existe ainda uma outra fonte do medo. Quando um desejo ardente é suprimido ou aniquilado, quer se trate de amor, prestígio, atividade, etc., isso gera um sentimento de insegurança e incerteza. Perde a confiança e tem o orgulho natural abalado. Essa falta de confiança e quebra do orgulho natural, cortam-lhe a capacidade de iniciativa e trazem o medo. Uma criança suprimida se converte em uma criatura medrosa. Cerquem de obstáculos as necessidades de um adulto e ele se tornará medroso quanto ao seu futuro.

O medo pode ser considerado como uma energia, uma força dinâmica, um impulso a fazer algo, - escapar ou fugir. A primeira palavra que suscita no homem o impulso de escapar é - perigo. O medo é despertado pelo perigo. Um homem se assusta se descobre um perigo para seus filhos, seus pais, sua saúde, seus bens, sua tranquilidade de espírito, sua segurança, sua liberdade, sua reputação, seu caráter, sua virilidade, sua independência, seus ideais, sua crença, sua importância, seu eu.

Se o propósito do medo é assegurar a sobrevivência, então o medo se manifesta quando está em perigo essa sobrevivência, considerando a sobrevivência, não simplesmente em termos de existência física, mas a sobrevivência do eu, a sobrevivência da personalidade.

O temor é provocado pela possibilidade da perda de bens, de um amor, perda de saúde, perda do amor-próprio, etc.

A maioria das pessoas parece considerar o medo relacionado sempre com acidentes, enfermidades, fome, assaltos, etc. Na realidade, tais fatores não são raros. Logicamente, essas coisas são de temer, porém, como causas do medo, na realidade, poucas vezes são encontradas no indivíduo comum.

O medo, de modo geral, provém de uma série de causas diferentes - o medo de desagradar, o medo do ridículo, o medo de ofender, o medo da incompreensão, o medo da desaprovação, o medo da crítica, o medo de ser dominado, o medo da solidão. O medo mais extremo que se observa nos indivíduos, o medo que os incapacita totalmente, não por minutos ou horas, mas por meses ou anos, é o "medo do domínio". Habitualmente se qualifica esse tipo de temor como "medo de perder a personalidade", perda do livre-arbítrio pessoal - a ameaça de domínio por parte de outras pessoas.

A pessoa ameaçada crê que nunca terá oportunidade para decidir as coisas por si mesma. Tem que fazer o que lhe dizem - tem que fazer o que outras pessoas desejam que faça ou esperam que faça, pois teme provocar a desaprovação delas ou ferir seus sentimentos. Por uma ou outra razão, se preocupa tanto por fazer o que outras pessoas desejam que faça, que se crê em perigo de converter-se em um reflexo da personalidade de outros e deixar de existir por direito próprio.

Tanto maior é a sugestão ou as sugestões que assim lhe assaltam, tanto maior é o seu pânico, pois, se as sugestões lhe rodeiam todo o campo da conduta racional, pode ver-se obrigado a seguir uma conduta irracional, uma conduta que ela mesma desaprova em caso que faça algo por si mesma. Dessa forma, o medo pode alcançar proporções fantásticas.

Se uma pessoa descobre em si mesma um impulso à fuga, passa a sentir medo de chegar realmente a fugir, ato que conduziria à perda de prestígio perante si mesma e os demais. E assim se desenvolve o "medo ao medo". Sentir medo quando há algo realmente a temer, não é prova de covardia.

A maioria das pessoas creem que sentir medo é agir como medroso, que ser tímido é agir timidamente, que sentir uma coisa semelhante a "vontade de fugir" não é muito diferente de fugir realmente.

O medo não impede a valentia. O medo e a coragem se dão as mãos e a crença geral de que os heróis não temem, é errônea. A maioria dos atos ousados de heroísmo são realizados por indivíduos em que o motivo principal de ação é demonstrar a si mesmos e aos demais que "não temem", ou que "são capazes de vencer o medo".


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 A primeira medida a ser adotada no sentido de se corrigir o sentimento do medo consiste em não se procurar justificá-lo e reconhecer de forma clara a sua falta de substância, salvo nos casos de um verdadeiro perigo, quando ele se constitui num real mecanismo de escape. De outra forma, justificar o medo, significa arraigá-lo ainda mais profundamente. Na verdade, procuramos sempre uma justificativa ou explicação racional para o nosso medo. Apesar da inconveniência desse comportamento, é certo que nos habituamos a assim agir. O medo deve ser enfrentado francamente e considerado como medo mesmo. Isso constitui o primeiro passo para a sua extirpação.

O segundo passo consiste em se eliminar o medo ao mesmo medo, ou seja, o medo de ter medo. Ter medo do medo é algo real e não pura imaginação. Isso se deve a um transtorno físico real produzido pela ideia de que chegará a ter medo de certo objeto ou circunstância. Tal ideia é produto exclusivo da sugestão, uma ideia de medo e tem suas raízes num foco de reconhecimento. Acredita-se nela e na mente da pessoa não existe nenhuma dúvida de que o medo aparecerá. Como não é contida, automaticamente, entra em ação.

Se uma pessoa espera o medo, este a surpreenderá antes mesmo que o verdadeiro estímulo se encontre presente. Uma pessoa, por sugestão própria, sente medo antes de enfrentar um auditório; antes de penetrar em qualquer lugar escuro; ante a perspectiva de um negócio; antes de expor um projeto, etc., etc. É o caso de passar por uma ponte antes de chegar a ela. Assim, muitos temores são elaborados por efeito dessa sugestão-expectativa. Por efeito do nosso estado mental, sentimos medo antes de enfrentar o objeto do temor. Podemos ter também um medo antecipado ante a ideia de um insulto ou ofensa futura, que nos faça reagir. Uma emoção pode ser despertada não somente por um estímulo externo ou por uma situação emocional, mas também por uma ideia de antecipação.

A medida que se deve tomar para vencer o medo, consiste em se preparar a mente para vencer a ideia do medo, mantendo-a serena, antes de enfrentar o objeto que o inspira. Este é o primeiro requisito. Logicamente, se nossa reação obedece ao medo, que seja este produzido pelo objeto-estímulo e não por nós mesmos. Procurar manter-se sereno até que se esbarre com a coisa que inspira o medo. Não existe qualquer razão para antecipá-lo.

Outro caso é o do indivíduo que procura compensar seu medo e tenta ocultá-lo através de fanfarronadas e raciocínios. Um empregado pode temer seu chefe. Na presença deste, tem medo de expressar suas convicções, porém, diante dos seus subordinados ou de pessoas incapacitadas de se defender, se torna ditatorial, malcriado, valente. Tal indivíduo se esforça por encobrir seu temor com ares de fanfarrão que compense a humilhação que experimenta ante as outras pessoas mais fortes. Tal atitude nunca lhe dará oportunidade para corrigir essa deficiência.

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Uma atitude valorosa frente a um perigo real, como uma compensação, de nada vale, pois passado o momento, tudo continua como antes.

O medo é, essencialmente, uma fuga que significa segurança. Porém, se a pessoa descobre que não existe motivo algum para fugir, então o medo perde sua influência. Isto é o que frequentemente acontece. Muitas espécies de medo nascem de superstições e de falsos ensinamentos acerca da humanidade. Um raciocínio sereno dessas causas pode revelar-nos a inconsistência dos nossos temores, a tal ponto que nosso próprio orgulho nos permitirá admiti-los. É que o medo nasce sempre da ignorância.

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Muitas pessoas põem em prática métodos de ataque indireto aos seus temores. Tais métodos provocam ainda maior tensão do que o medo mesmo. Privada do afeto em sua infância, a criança sente seus desejos reprimidos pela consequente perda de segurança. Surge o medo, que permanece pela vida toda. Para compensar esse sentimento de insegurança, o homem recorre então a táticas equívocas - critica os demais, torna-se sarcástico e extremamente sensível. Por quê? Procura por todo os meios obter um reconhecimento que compense a falta de afeto que padeceu na infância. Quer que os demais ajam de acordo com as suas ideias. Como isso não é possível, censura-os. Escolhe o sarcasmo para dominar. É extremamente sensível e exige dos demais uma atenção desproporcionada. Não compreende que os seus métodos são negativos e anti-sociais. Assim cria situações de antagonismo e vive em constante tensão com os demais.

Tais ataques obedecem a métodos indiretos que não resolvem o problema. O único caminho para se obter segurança e livrar-se do medo consiste em se cultivar a cordialidade. É a sociabilidade a principal arma para o domínio do medo. Pelo contrário, o antagonismo só consegue arraigá-lo mais profundamente, obrigando a pessoa a prosseguir com seus métodos negativos e ineficazes. A atitude das pessoas com quem fala, torna o indivíduo cada vez mais inseguro, obrigando-o a extremar seus ataques negativos.

Um último método para se combater o medo consiste em se acercar ou chegar-se ao objeto que o produz. Constatamos a evidência dessa assertiva quando observamos um cavaleiro conduzir seu animal até um objeto qualquer para que ele o toque e veja de perto. Os cães perdem o medo a certos objetos da mesma maneira. Se uma pessoa for surpreendida por uma aparição, o medo desta irá gradativamente desparecendo ou diminuindo se lhe fosse dado tocá-la. O medo que inspira certos animais - sapos, lagartos, etc., desaparece quando começamos a lidar com eles. Ir a lugares que se teme pode contribuir para curar o medo.

A explicação da cura do medo através do processo de chegar-se ao objeto, compreende vários elementos. Sabemos que o medo é uma espécie de fuga ante um objeto. Acercar-se desse objeto é exatamente o contrário. Ambos não podem atuar simultaneamente, pois nos dois casos intervêm os mesmos sistemas musculares e nervosos. É impossível aproximar-se e retroceder-se ante um objeto ao mesmo tempo. Um dos movimentos deve prevalecer e se a aproximação se segue com insistência, o medo terá que finalmente desaparecer. É quando então a pessoa comprova realmente que o estímulo do medo não encerra qualquer perigo. A aproximação traz a confiança. A confiança e o medo são incompatíveis. É quando então a pessoa compreende que a maior parte dos seus temores são produzidos por objetos inofensivos, de forma que, para vencê-los, a aproximação corajosa constitui o melhor remédio.






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