domingo, 2 de março de 2014

O homem é sempre mais do que aparenta

No homem encontramos algo impossível de ser reconhecido, de ser demonstrado, algo que escapa a toda ciência de pesquisa: uma ânsia de liberdade e tudo o que a ela se prende.










É interessante verificar-se como as pessoas se influenciam mutuamente. Na aparência, vivem uns com os outros, mas, na realidade vivem apenas "perto uns dos outros", suas emoções invadindo, consciente ou inconscientemente, a vida íntima dos demais. Quando duas pessoas se encontram, algo acontece entre elas, unindo-as, como se uma substância invisível, misteriosa, os ajustasse. Realmente, uma inter-relação une o homem ao homem, como une o homem às coisas.

É algo difícil explicar o homem. Quanto mais o estudamos, quanto mais claro ele se torna sob certos aspectos, mais difícil se torna também a possibilidade de se estudá-lo no seu todo.




O homem  é sempre mais do que aparenta, tanto de um modo geral, como particular. Nele encontramos algo impossível de ser reconhecido, de ser demonstrado, algo que escapa a toda ciência de pesquisa: uma ânsia de liberdade e tudo o que a ela se prende. É o seu caminho para "além do mundo".

Quando o homem descobre por trás da fachada da sua personalidade a realidade dos seus impulsos, encontra o divino oculto em si mesmo, sempre procurando manifestar-se.

Não podendo viver com os demais num mundo envenenado pela desconfiança mútua, pela inveja, pela maldade, ele põe de lado o seu verdadeiro Eu. Assim, o seu prazer da vida vai cedendo às preocupações, ao pessimismo, à indiferença.

Sente necessidade de ser bom, mas observa que, na moderna sociedade só tem valor o que é útil. E passa a viver como os demais. Assim, vai se generalizando a falta de respeito de todos para com todos.

A culpa desse estado de coisas, em grande parte pode ser atribuída a certas teorias que afirmam ser os impulsos do homem, reflexos de suas reações primitivas. De acordo com tais teorias, tudo o que é bom no ser humano, desaparece. Um ato de bondade, abnegação, é sempre praticado por interesse ou por estímulos eróticos, nunca por sentimentos bons. Verifica o pouco respeito dispensado ao homem quando as pessoas são julgadas por outras pessoas. A bondade está sempre ausente.

E observa mais. E se decepciona cada vez mais. Se recebe informações sobre uma pessoa, verifica que a atenção do informante recai sobre as qualidades negativas dessa pessoa e que estas, mais do que as positivas, são mais divulgadas. Quando num documento observa uma parte sublinhada de vermelho, encontra nessa parte, sempre e sempre, somente o que se refere à deficiências, qualidades negativas. A boa qualidade nunca é salientada com tanta ênfase. E cham tal procedimento de "objetivo".

Outras pessoas ao lerem um desses documentos, geralmente procuram observar mais atentamente as partes riscadas de vermelho, algo que distorce o conhecimento da pessoa, um triste e desumano proceder, só possível pelo fato de as pessoas terem perdido todo o respeito pelas outras, o respeito pelo mistério que existe dentro de cada criatura humana.

No seu egoísmo, no seu egocentrismo, do alto da sua vaidade e superestima, o homem, de modo geral, não compreende como está indissoluvelmente ligado aos outros homens. Nunca dá atenção, na vida cotidiana, à pessoa dos outros. Atribui um enorme valor a si próprio, à sua capacidade, seu trabalho, etc. Mas, quando necessita de algo que não sabe ou não pode fazer, que não está na sua capacidade, que não aprendeu, que o dinheiro não compra, aí então verifica como está desamparado, apesar de toda a sua capacidade, apesar de toda a sua instrução, apesar de toda a sua importância, apesar de toda a sua fortuna.

Aí compreende que o seu trabalho e os seus deveres não dependem exclusivamente dele, compreende sua interdependência dos demais, sua ligação com as pessoas.

Para viver bem, o homem precisa ter respeito por tudo quanto vive, pois é do respeito e de uma perfeita avaliação de valores que um indivíduo retira a sua força vital. A vida perde todo o sentido e o indivíduo vê-se reduzido a si mesmo, quando perde o respeito por si mesmo e pelos demais.

De modo geral, tal carência de respeito evidencia-se principalmente em face da criança. Apesar de ter chegado à idade adulta, de ter passado pela escola da vida, o homem esquece quase sempre do pedaço da sua história no que se refere à infância. Esquece de que foi criança e nunca tem a impressão de "uma pessoa em sua frente" quando fala com uma criança, devido ao seu pequeno tamanho e pouca idade. Considera a criança como "uma posse" sua, uma sua propriedade particular, esquecido de que, desde o corte do cordão umbilical, ela é um ser próprio, com direito a atenção e o respeito. Assim, esquece de observar a desconhecida grandeza da criança e preparar-lhe o ambiente devido.

Na criança estão as sementes de todas as virtudes, de todas as forças. Na sua obstinação encontramos a futura tenacidade e firmeza de caráter; nas suas peraltices o bom-humor, a desinibição, o desembaraço, a capacidade para vencer os perigos do mundo.

Na criança encontramos ainda um impulso natural para o respeito à criatura humana. Os adultos, através do comportamento, das atitudes inconsequentes, das mentiras, dos gestos antipáticos é que conseguem matar na criança o respeito por si mesma e pelos demais.

Muitas vezes ditamos à criança as nossas vontades, sem pensar no que isso provoca. A teimosia imediatamente resultante, é a resposta da criança ao nosso comportamento inadequado. A força da criança tem como base a sua capacidade de dizer "não", resoluta e energicamente.

Quando a criança é ensinada a não ferir o costume do respeito mútuo, ela também participa do respeito, sentindo-se em tal ambiente, mais feliz e mais livre.

O respeito diante dos outros seres, no comportamento, nas palavras, nos atos, nos gestos, estabelece uma distância natural entre as pessoas, não permitindo agressões ou desrespeito.

A criança deve ser tratada como um adulto de tamanho reduzido ou em perspectiva. Deve-se-lhe responder com toda a seriedade. Não é ensinada, mas vive a vida que vê diante dela. Uma criança tanto fica impressionada com a calma da mãe, quanto com os gritos, a agressividade, a falta de respeito.

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Os pais devem saber exatamente como querem educar seus filhos. Devem determinar claramente suas aspirações a respeito. A criança de hoje é um futuro cidadão, um indivíduo que participará ativamente na vida social. Se o educarmos mal, o prejuízo não será apenas nosso, mas de todo o país. Assim é mister que um novo sistema de educação seja levado à efeito. O homem é o produto da sua educação e a vida social, a cultura, a moral - tudo pode ser transformado quando o elemento humano recebe uma educação adequada.

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Os princípios, ideias e categorias de uma sociedade moldam-se pelas relações sociais decorrentes da educação. Os elementos de educação determinam a vida social, política e espiritual do homem.

[...] Uma grande maioria de professores não se convence de que o sentimento de honra, de moral e de espírito de luta e auto-confiança são mais importantes do que "passar nos exames" e ou nos concursos. E a juventude vive na mesma incompreensão.

Todo indivíduo que crê na existência do bem e do mal é considerado ou classificado como "ingênuo". Da mesma maneira, que afirmar que a desordem da família e da escola é sempre um sinal de degenerescência e que a grande maioria das pessoas em nossa época se caracteriza pelo egoísmo, pela irresponsabilidade, pela indolência e comodismo, pela fraqueza do caráter, é classificado como de pessimista ou mau cidadão.

Quanto aos que, bastante ousados para pensarem que a juventude deve ser, não desordenada a fraca, mas disciplinada e heroica, esses, como nós, podem ser classificados de utopistas. O certo é que há necessidade absoluta de uma renovação. É esse o propósito que transparece em todas as nossas obras - renovar a mentalidade do homem, através de novos métodos de educação.

E onde encontrar-se energia para transpor-se os obstáculos que impedem essa renovação? Como vencer a aversão ao sofrimento, às privações, à disciplina? Numa educação com base na vontade forte, na auto-confiança, na coragem.

O homem só vence as dificuldades que se apresentam à sua frente, quando, das profundezas do seu Eu, sobem à tona, as suas energias interiores. E para avançar pelo novo caminho, necessita libertar-se dos erros do passado e das instituições que trazem a marca indelével desses erros, visto estar enfraquecido e deformado pelos hábitos contraídos desde a sua infância. É certo que não possuímos bastante energia para quebrar de uma vez os moldes no qual nos enquadramos. Mas, de certo modo, somos senhores de algumas de nossas ações.

Assim, pode cada qual, por um esforço voluntário, modificar os seus hábitos de pensamento e de vida. Aprender a ser forte, lutador, corajoso, confiante, otimista, não é menos essencial do que comer e dormir, estudar numa escola e trabalhar. Importa, pois, antes de mais nada, que nos preocupemos em fazer com que as crianças sejam mais bem preparadas do que nós o fomos. [...]

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